Quando Trocamos o Passageiro pelo Eterno

Um dos perigos que corremos é o de trocar o essencial por aquilo que é temporário. Jesus falou disso em suas parábolas. Como aplicar seus ensinamentos às nossas vidas?
A história humana é repleta de casos em que uma pessoa quer os benefícios de uma relação, mas não a relação em si. Há casos históricos e literários de pessoas que se aproveitam de outras, “sugando” os benefícios, mas desprezando a pessoa em si. Essas histórias, reais e fantasiosas, são tão comuns pois refletem algo do coração humano. Elas nos parecem verossímeis, apesar de nos gerar repulsa. Na parábola chamada do filho pródigo (Lucas 15), ambos os filhos, tanto o que tomou sua herança e foi embora, como o que permaneceu, queriam os benefícios da herança, mas não desejavam uma relação com o pai. O filho mais novo caiu em si, o mais velho, até o final da parábola, ainda mantinha uma relação de escravo injustiçado com seu pai.
No capítulo 20 do evangelho segundo Lucas, Jesus conta a parábola dos maus lavradores (Lucas 20.9-19). A história é bem conhecida. Certo proprietário plantou uma vinha e contratou lavradores que cuidariam da vinha e lhe pagariam uma porcentagem dos resultados. Como proprietário, ele tinha todo o direito de receber parte dos resultados. A vinha era sua, era ele quem possuía a terra e fora ele que plantara a vinha. Contratos assim eram comuns e plenamente respeitados naquela época.
No entanto, esses lavradores, ao perceberem que o proprietário se ausentara, decidiram se aproveitar da situação e não lhe dar o que lhe era devido. Assim, conforme o senhor enviava pessoas para receber o que era seu por direito, os lavradores não só se recusavam a pagar, mas agrediam os cobradores e os expulsavam. Por fim, o senhor envia seu próprio filho, crendo que a este os lavradores respeitariam. A história atinge seu clímax quando esses lavradores decidem matar o herdeiro e ficar com a herança para si, cortando todos os vínculos com o proprietário. Jesus termina a parábola alertando sobre o juízo que este proprietário exercerá. No versículo 16 lemos: “[O senhor] virá, matará aqueles lavradores e dará a vinha a outros”.
Os lavradores, ao perceberem que o proprietário se ausentara, decidiram se aproveitar da situação e não lhe dar o que lhe era devido.
A reação dos ouvintes revela que eles entenderam muito bem o significado daquela história. Inclusive no versículo 19 lemos que “perceberam que era contra eles que havia contado aquela parábola”. Há alguns elementos que deixavam isso muito claro. Primeiramente, a imagem da vinha era popularmente associada a Israel. Verifique, por exemplo, a passagem de Isaías 5.1-7 e Ezequiel 18. O crime dos lavradores era evidente para os padrões da época. Eles mereciam realmente a morte, pois haviam rompido o contrato e, ainda pior, matado o herdeiro. Em resumo, a história falava de uma vinha que havia sido confiada a um grupo que, em vez de dar ao senhor o que lhe era devido, decidiu usufruir das bençãos, sem honrar o doador das bençãos.

A reação dos ouvintes foi natural: “Que isso nunca aconteça!”. Havia ficado evidente o alerta de que eles haviam tomado posse das bençãos como povo de Deus, tinham sido protegidos pelo Senhor e recebido sua Palavra para que fossem benção entre as nações, mas, em vez de fazerem isso, tinham se recusado a dar honras ao Senhor de coração e, profeticamente, Jesus afirmava que eles matariam o Filho. Mesmo ouvindo esse contundente alerta, eles se negam a se arrepender. No versículo 19 lemos: “Os mestres da lei e os chefes dos sacerdotes procuravam um meio de prendê-lo imediatamente…”.
Antes de sermos excessivamente duros com os judeus e seus líderes, creio que devemos olhar para nossas próprias vidas. Quantas vezes rogamos e pedimos algo para o Senhor – pode ser um livramento, uma benção, uma cura ou a restauração de um relacionamento. Uma vez recebido o que havíamos pedido, somos breves em agradecer e, pouco tempo depois, nos encontramos distantes e frios quanto à nossa relação com o Senhor. Creio que está em nosso coração a tendência de nos desviarmos do que é essencial, eterno e importante, para o trivial e passageiro. Lembro-me de ter lido as palavras de um psiquiatra judeu, sobrevivente do Holocausto, Victor Frankl, que afirmou: “Quando a pessoa não consegue encontrar um profundo senso de significado, ela se distrai com os prazeres”.
Uma vez recebido o que havíamos pedido, somos breves em agradecer e, pouco tempo depois, nos encontramos distantes e frios quanto à nossa relação com o Senhor.
Diante desse quadro, que percebo também em minha vida, me lembro das palavras de Paulo em Filipenses 3.7-9:
“Contudo, o que para mim era lucro passei a considerar como perda, por causa de Cristo. Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, o meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo e ser encontrado nele, não tendo a minha própria justiça que procede da lei, mas a que vem por meio da fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé.”
Oro por mim, para que meu coração, que às vezes é volúvel, se apegue mais e mais ao que é importante e eterno. Que eu considere tudo que não seja Cristo como perda, e todas suas dádivas como expressões do seu amor. Não quero que os prazeres que vêm das dádivas de Deus me afastem do seu amor eterno.